quinta-feira, 1 de junho de 2017

Pálido ponto azul

Tenho um terraço, daqueles no topo do prédio e tudo, mas a vista lá de cima não é nada de especial.
Às vezes vejo aviões militares a passar. Mas só às vezes, porque habitualmente voam bem lá no alto e só lhes ouvimos o ruído do motor.

Em dez anos, devo poder contar pelos dedos a quantidade de tardes sem vento naquele local e que coincidiram com fins de semana ou dias de férias; que é o mesmo que dizer, a quantidade de vezes em que pude acender o grelhador a carvão. Só o fiz 3 ou 4 vezes, afinal. Isso diz muito sobre o vento, mas nada sobre outros factores.

A verdade é que, de há alguns anos a esta parte deixei, praticamente, de ir ao terraço.
Durante o dia a vista não é nada de especial, como disse. E está vento, mesmo quando o céu está limpo e azul. Seria diferente se tivesse vista para o mar. Aí, nem vento nem chuva me arredariam do sítio de onde os meus olhos poderiam procurar paz.


À noite é diferente.
Nos dias quentes, depois de um horas de sol a bater nos mosaicos do chão, o vento parece pouco mais do que uma aragem. Ou então é mesmo pouco mais do que uma aragem, e até sabe bem.


O terraço tem um parapeito sólido, uma barreira eficaz à poluição luminosa oriunda da rua lá em baixo - mas só se nos sentarmos no chão, sentindo o mosaico ainda a irradiar o calor acumulado durante o dia. O terraço torna-se então um óptimo posto de observação do céu nocturno.
E é exactamente por isso que agora é raro ir para lá - a menos que estejamos em tempo de Aquáridas, Perseidas ou Oriónidas.
Porque perder os olhos na imensidão do céu, nas incontáveis estrelas acima de mim, fazem-me sentir o peso da minha pequenez e insignificância.
Eu, com todos os meus sonhos, desejos e medos, não passo de um micróbio entre sete mil milhões de micróbios correndo, vivendo e morrendo num pequeno e pálido ponto azul no quintal de uma galáxia entre milhões de galáxias.

Olhar para o céu, à noite no terraço, é olhar para o infinito.
E isso faz-me sentir infinitamente só.


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