quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

Dedos de Deus

Sempre achei graça a esta expressão, usada para descrever aqueles raios de sol dispersos que atravessam uma espessa camada de nuvens.
E no entanto, algo tão simples e banal é capaz de me melhorar a disposição num dia cinzento - sim, que o tempo (no sentido meteorológico da palavra) mexe muito connosco.
Alguns raios de sol restabelecem-me o ânimo que por vezes se acinzenta como o céu. O dia parece tornar-se por momentos mais leve.
Como se, na realidade, algo viesse lá do alto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Fuga

Tão bom. Era tão bom quando éramos pequenos escondermo-nos à espera. Sentir os outros à nossa volta, sabê-los à nossa procura. E a alegria de sermos encontrados.

Hoje, volta e meia, sinto vontade de me esconder. Mas agora, para desaparecer a sério, fugir de vez deixando tudo e todos para trás. Só por algum tempo.
É o medo que me peia. Medo da saudade que sei que teria do que deixasse (nem tudo, claro).
Medo de que no fundo até nem sentissem a minha falta. Porque quando não sentem a nossa falta é que desaparecemos mesmo.
E do desaparecer voluntariamente, por algum tempo, para depois voltar - ao desaparecer de vez da memória dos outros, vai uma grande distância. Tão grande que não a consigo medir. Que não a quero medir. Porque tenho medo.
Será isso que mais receamos na morte? O esquecimento dos outros?

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Mobília

Cansada.
De ser tratada como mobília.
Cansada de ser mesa,
cadeira, cama.
Micro-ondas, master-chef.
Objectos que se usam
por vezes abusam
se põem de lado
sem um obrigado.

Cabeceira, almofada.
Nem bom dia
nem boa noite
nem nada.
Ainda sou gente
mas parece-me
que devagarinho
vou virando
comando
de televisão.

Fogão, panela,
menos que uma janela
porque essa
ainda serve para olhar.

Que sentirá o meu colchão
quando caio com todo o meu peso
cansado
e adormeço de seguida
levantar de madrugada
sem bom dia nem nada.

Não me vou esquecer
de passar uma mão
suave, talvez carinhosa
pelas costas da cadeira
pelo braço do sofá
pela almofada que me ampara o sono
sem resposta.
Agora que sei o que é ser mobília
não vou esquecer
de dizer olá, adeus
e agradecer.

Tudo o que quero e não ouço.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Sorrisos e Lágrimas

É-me pedido que sorria
embora tenha a mágoa na alma.
É-me pedido que siga o meu caminho
e ignore o caminho de quem
deveria seguir ao meu lado.

É-me pedido que me esforce
embora o esforço
não seja reconhecido.
É-me pedido espaço
quando o espaço vazio
(tão vazio!)
à minha volta
me mete medo.

É-me pedido que espere
sozinha e com um sorriso
embora não saiba
onde está aquele por quem espero.

É-me pedido que me afaste
que enterre a cabeça na areia
e faça de conta
que nada se passa
embora saiba pelos silêncios
que (quase) tudo me é ocultado.

É-me pedido que não pergunte
embora as perguntas sem resposta
me encham a alma de terror.

É-me pedido que finja
que tudo vai bem
quando choro por dentro
a dor de não me sentir desejada.

É essa dor que me acompanha
dia e noite
embora para mim
pareça sempre ser noite
tal é a escuridão que me rodeia.

E no meio dessa dor
que querem que mantenha escondida
vou tentando sorrir, como me pedes.
Mas se olhares com atenção
por trás do meu sorriso
verás as marcas das minhas lágrimas.

terça-feira, 2 de novembro de 2004

M

Um testemunho de amizade. De fé na força que esta pessoa especial "M" tem no seu interior.


Triste, tão triste
porque tudo acabou
antes de começar...

Não, não vou
dizer-te para não chorar.
Chora, grita, esperneia
faz o que der na gana
solta a tua frustração
não a descarregues
sobre ti.

Não, não vou permitir
que te acuses, te imoles
no fogo da tua dor.
Sente-a, porque tens
que a sentir.
Afaga-a, porque provém
do teu coração.
E por fim afasta-a
antes que te devore.

Dá tempo ao tempo
esse grande feiticeiro
que tudo cura, tudo sara
ainda que te pareça
que não vai passar.

Dá tempo ao tempo
e tempo ao teu coração
para voltar a rir.

Um coração tão grande
como o teu
não merece ficar sozinho.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Lágrimas

Nem sempre as lágrimas são uma chamada de atenção, um pedido de ajuda.
Por vezes, são apenas a mais simples forma de expurgar fantasmas que nos assombram a mente, de lavar a alma de dentro para fora.
O choro, ainda que convulsivo, pode ser apenas uma catarse, um expelir de sentimentos em turbilhão que nos impedem de ver as coisas com clareza.
Deixem-me chorar à vontade quando me apetecer ...

terça-feira, 26 de outubro de 2004

Quero-te

À noite, quando o sono tarda, olho para ti.
Sinto a tua quente presença, e sei
que é ali que quero estar.
Contigo.
Que é ali que quero que estejas.
Comigo.

Vejo-te dormir e sinto desejos
de beijar cada centímetro de ti
sentir-te voltar nos meus braços
sentir os teus à volta de mim.
Sentir o teu corpo dentro do meu.
Como um só.
Por entre os gemidos, o suor e o cansaço
sentir-te fazer parte de mim
fazer e refazer o amor que tentamos
reconstruir.

Quero reconstruir este amor,
pedra a pedra,
com suor, saliva e esforço.
Quero reconquistar o castelo
do teu coração
onde um dia reinei
de pleno direito.

Por ti lutarei
até ao fim das minhas forças.
Mas não vou desistir
ainda que caia de cansaço,
pois és demasiado importante
para mim.

Amo-te.

Beijo

Um beijo, um simples beijo é uma ponte que une margens de um rio de vida." (by Almaro in http://aguarelasescritas.blogspot.com)


Um beijo é mais que um toque de lábios, de línguas por vezes ávidas.
Um beijo sentido é um toque de alma na alma, mais do que corpo contra corpo.
Um beijo é um abraço, é um cruzar de rua da minha porta para a tua.
Cruzo a rua do meu coração na direcção do teu.
Com um beijo te dou as minhas lágrimas, as minhas mágoas, esperando que
se dissolvam no oceano dentro de ti.
Com um beijo abro a porta para o oceano dentro de mim para aqui afogares
o que quiseres.
Há exaltação em cada beijo, porque por um fugaz momento
penso poder sentir a tua alma.
Há carinho em cada beijo, porque por um fugaz momento
nos tocamos coração com coração.
Há ternura em cada beijo, a ternura do reencontro
depois de um dia-a-dia por vezes parado, mas sempre cansativo.
Há amor em cada beijo que te dou.
Gostaria de te poder beijar uma vez por hora
para não me sentir sozinha.
Gostaria de te poder beijar uma vez por minuto
para me sentir envolta em ternura.
Gostaria de te poder beijar com o coração
como beijo com os lábios saudosos.

Há amor em cada beijo que te dou.
E no teu?

Tentativa

Tento sorrir
e não consigo
tento viver o dia-a-dia
mas cada dia
custa a passar.

Tento estar contigo
e sinto-te longe
cada vez mais longe.

Tento dar-te o que posso
tudo o que tenho para dar
mas tu pareces não querer.

Tento.
Cada vez tento mais.
Mas as forças esgotam-se
as mãos tremem
na tentativa de continuar
a viver devagar.

O coração bate
bate por ti
contigo
em ti.
Mas o teu
não sei.

Cada vez sei menos.
Cada vez te sinto menos próximo.
Mas tento.
E continuo a tentar.
Viver um dia de cada vez
à espera
que correspondas
às minhas tentativas.

Não me deixes de fora
da tua vida.

Sou Eu

Sim.
Sou eu.
Estou aqui.

Não.
Não páro.
Não desisto.

Enquanto o meu coração bater
por ti e ao ritmo do teu
lutarei por ti
por um lugar ao teu lado.

Palavras ásperas
deitaram coisas a perder
erros cometidos
estragaram a harmonia.

Sim.
Sou eu.
Eu me acuso
de me ter desleixado
em demonstrar
que te amo.
Ainda e sempre.

Eu me acuso
de ter feito
algo de que uma vez
te acusei.
Tomei-te por certo
e quase te perdi.

Não.
Não interessa
que não consigas
falar de amor.
Basta-me saber
que o sentes
(embora fosse bom,
tão bom,
que o demonstrasses
de vez em quando).

Não.
Não vou deixar
que outros olhos
outro sorriso
outro carinho
te levem de mim
sem lutar.

Sim.
Sou Eu.
Estou aqui.
Amo-te.
E lutarei pelo teu Amor.

Queda

Outrora
ave orgulhosa
voando sozinha
falcão caçando
emoções, cores.
Encontrei-te um dia.

Por ti enfrentei
meus medos, meus segredos.
Guardei as asas,
criei perante os outros
a imagem
de uma torre de força
fundações de pedra
reforçadas de confiança.

E num momento tudo se foi.
Caiu a ponte que nos ligava
alicerçada onde julgava
para sempre estarem
os esteios indestrutíveis
do nosso amor.
Caiu a máscara
Caiu a torre
qual castelo de areia
arrastado por uma onda
maré viva de Agosto.

E dei comigo caída
no árido deserto
da desilusão.
Ergui-me, cega
tropeçando
em sonhos quebrados
e caminhei no escuro
pisando poças de lágrimas.

Caminhando, encontrei
no fim do deserto
o espelho de mim.
Peguei nas asas
agora quebradas
suportei as dores
e busquei de novo
a liberdade.

Reaprendi a voar.

Sereia

Sereia ?
És Mulher? Ou peixe ?
Ser marinho que desliza
entre a luz e a sombra,
entre o ar e o oceano,
teu corpo ondeando
cria ondas perladas
molhando-me os pés.

Tágide, conta-me
o que viste lá no fundo,
as esperanças destruídas,
os sonhos derrotados,
pescadores afogados
(quiçá te perseguiram
até a terra lhes faltar ...)

Leva-me contigo, mostra-me
os tesouros da Atlântida perdida,
galeões submersos,
mercadores e piratas
que no mar infinito
afundaram suas guerras

Sereia, mostra-me
onde o Sol se põe.

Separação

Pelas palavras que nunca disseste
Pelo olhar que lesto desviaste
Pela mão que cedo me retiraste
Deixando a minha, vazia e agreste

Tentei saber porquê, não respondeste
Viraste-me as costas, caminhaste
Por essa senda estreita onde encontraste
Outra mão, que entre as tuas prendeste

Chorei gotas de gelo ardente, então
Pelo que de mim, contigo, levaste
Nada importante, só o coração

Aquele que, como barro, quebraste
Colhi-o, com um sussurro, na mão:
“Repousa agora, tu que tanto amaste”

Existir

És a parte de mim
que caminha fora do meu corpo
mas ao meu lado.

Existo (também) em ti.
Revejo-me no teu sorriso cansado
ao chegar a casa.
E rezo para que o cansaço
seja apenas físico
não emocional
e não de mim
(como já foi
como tem sido...)

Porque se um dia
te perder
ficarei perdida.
A parte de mim
que caminha contigo
ficará à deriva
como uma traça
a quem apagaram a luz.

E mesmo quando estás longe
saber que não te posso tocar
mas existes
faz com que exista também
sentindo-me maior que a vida
feliz por te ter
(ainda que por vezes
não te tenha
quando sei que navegas
noutras águas
onde não existo).

Desde que ao fim do dia
o teu sorriso cansado
seja para mim
vou sobreviver à distância.

Presença

"O sabor de nos sabermos presentes na vida de alguém é maior que tudo. É um nada cheio de nós em forma de ternura." (http://leitedecreme.blogspot.com)

Quero estar presente na tua vida.
Para o resto da vida. Das nossas vidas.

Preciso de te sentir ao meu lado quando durmo.
Ver-te dormir quando acordo.
Sentir o teu calor acompanhar-me no sono.
Saber que basta estender a mão
para encontrar a tua.

Saber que se chorar de noite
sem saber bem porquê
posso encostar-me ao teu ombro
aninhar-me no teu peito
e sentir-me protegida
de todo o mal que possa vir.

Saber, sentir
que se te virares no leito
me encontrarás a teu lado.
Sempre a teu lado.

E se te quiseres aninhar tu
nos meus braços, estarei aqui.
Sentindo a tua face
encostada ao meu coração
como se fôssemos um só
e o resto do mundo
não existisse.

Quero estar presente na tua vida,
para o resto das nossas vidas.

Deixas-me ?

Partida

Chove.
De pé sobre a falésia
contemplo
o horizonte distante.
É tempo de navegar.

No oceano oblíquo
à minha frente
pelo meio de icebergs
de silêncio
pedaços gelados
de solidão.

Içarei a vela obscura
e de novo partirei
em busca.

De ti.
Na escuridão
de mim.

LadyHawke

Deixei pistas
p'ra me seguires
no imenso labirinto.
Deixei pistas
p'ra me encontrares
no centro do turbilhão.
Onde a voragem enfim pára
porto calmo e seguro
dentro do meu coração.

Vem, desembarca
segue a pista
do Falcão.
Até aos píncaros
da minha alma
procura o resto
encontra o ninho
onde guardo o meu amor
por ti.

Tempestade

É tarde. Quero dormir e não consigo.
O desejo vem, em vagas imperfeitas e sucessivas, espraiar-se na enseada do meu corpo como ondas de marés vivas de temporal.
Não posso domar a tempestade lá fora, mas domino a tormenta em mim; clamo pela tranquilidade que teima em não querer vir, enquanto lá fora a chuva cessa e o nevoeiro se adensa.
Sinto-me nua, mas em breve sou uma ilha isolada num mar de nevoeiro manso; sem ondas, apenas um vago movimento brando e contínuo. O sono chega por fim.
Sei que do outro lado dos portões do sonho voltarei a encontrar a tempestade, mas aí não terei que a dominar. Aliar-me-ei a ela, cavalgando o seu dorso em direcção a ti.
No mundo do sonho, aí sim, chegará a bonança ao meu ser, no centro onde a tua imagem impera. Até que o som da tua voz volte a despertar a tempestade em mim.

Mar Profundo

Umas vezes vagarosa, outras febrilmente, vou escrevendo ...
E as linhas que escrevo são notas, pontos de referência, marcos nas rotas entrecruzadas do mar dos meus sentimentos.
Irás levantar ferro e navegar? Ou largar âncoras e deixar o barco amarrado ao cais?
Eu por mim viajo de jangada, sem poder escolher o rumo, mas comandando as ondas deste mar impetuoso.
Traz um astrolábio e navega neste mar...
Traz as cartas de navegação e escolhe a rota que te leve à zona das calmarias, neste oceano imenso bem no centro do meu ser.
(1998)

Obrigado.

Obrigado
por estares aqui comigo
quando preciso de ti.
Obrigado por me dares forças
quando estou fraca, extenuada.
Por me ergueres
quando estou caída
na arena da eterna luta.
Por me dares ânimo
quando sobre mim cai
o desânimo, a descrença.

Por me segurares
e manter de pé
quando estou prestes a desfazer-me
em pedaços, quebrada
derrotada e oprimida.

Por me fazeres sorrir
quando ainda sinto
lágrimas nos olhos
e um nó na garganta ...

Por me ajudares a libertar
a dor, a mágoa contida
em torrentes de lágrimas amargas
em soluços nervosos
abafados pela raiva
impotente, dominadora.

É sempre o teu
o ombro onde choro
caída por fim a máscara
de uma falsa calma imperturbável.
São sempre teus os braços
que me seguram, me amparam.

És sempre tu que estás presente
quando mais preciso de alguém.

Inauguração

Bem, decidi-me enfim a criar o meu próprio cantinho de pensamentos soltos.
É bom sermos o nosso próprio editor, embora aberto a críticas.
Aqui vão ver a "luz do dia" alguns textos enterrados no interior de um Livro em Branco que já tem vindo a ser escrito há uns 20 anos. E outros que nunca lá tiveram lugar, também.
Mas aqui neste cantinho do cyberespaço é o lugar da minha liberdade de expressão.
Algumas pessoas terão o mapa para cá chegar. Outros, que venham por sua iniciativa, estejam à vontade desde que dispostos/as a participar de forma positiva.

Ideias, críticas, sugestões, aceitam-se.
A quem vier por bem, seja benvindo/a. Escreva, critique, comente - blogue.
Se não for o caso ... volte noutro dia quando estiver disposto/a a participar construtivamente.
Obrigada.