quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

É assim uma dor...

Às vezes tenho dificuldade em traduzir para texto o que sinto e quero dizer.
Dou voltas, apago, escrevo, apago de novo e lá acaba por sair qualquer coisa que consegue transmitir mais ou menos o que eu queria - mas só mais ou menos, porque nisto de escrever não chego sequer aos calcanhares de muita gente que por aí anda.

O pior de tudo, a frustração, é encontrar, algum tempo depois, um texto escrito por uma dessas pessoas e que consegue o que eu não consegui: cristalizar, tornar tangível e perceptível a outros um dado momento, um sentimento, uma ideia ou sensação. E só posso abanar a cabeça e dizer "Bolas... quem me dera, raisparta." 
E entre a frustração e o maravilhamento leio e releio a crónica ou o excerto, desejando ter um centésimo daquela mestria, revendo-me a cada frase, encontrando-me em cada parágrafo. Acabando por chegar à conclusão de que tenho de trazer esse texto para aqui, afixá-lo com cavilhas para que fique bem seguro e exposto para ser lido, para que eu possa dizer "Era isto! Era isto! Percebem agora?"

Quando for grande quero saber escrever como o Miguel Esteves Cardoso.

«Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.»

Miguel Esteves Cardoso in "Último Volume" - encontrado aqui.

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