terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Carta de uma Mulher ao Pai Natal

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Este texto foi inicialmente publicado na Revista "Máxima" com o título "Carta de uma mulher dos Anos 90 ao Pai Natal". Mas o texto, em si, não tem que ser datado dessa década. Aplica-se hoje com a mesma força. Não sei por quem foi escrito, já que na velha fotocópia que tenho religiosamente guardada numa gaveta o nome da autora não aparece. A ela, quem quer que seja, obrigada por dizer o que muitas de nós quereriam exprimir. E se alguém souber o seu nome, que me informe para lhe dar o devido crédito aqui.


"Querido Pai Natal:
Este Natal gostaria de receber um presente diferente. Não é que eu não goste do novo modelo de micro-ondas que recebi o ano passado ou que não me dê jeito mais uma camisa de dormir de flanela, mas este ano gostaria de concretizar uma fantasia.
Quero que me deixes no sapatinho um ... homem. Não me leves a mal este pedido, eu até gosto do que tenho cá em casa, mas tenho cada vez mais dificuldade em reconhecer nele aquele ser perfeito e indómito com quem me casei há alguns anos atrás.
Por isso, se não fosse muito incómodo, gostaria que considerasses a hipótese de criar algo de muito especial para mim. E desta vez quero a perfeição.
Estou farta de ser vítima da publicidade enganosa, onde os maridos têm sempre uma cabeleira farta, um sorriso estonteante de brancura, corpos atléticos, nunca se aborrecem e estão sempre prontos a cobrir-nos de ternura logo pela manhã, em cenários idílicos que nada têm a ver com as nossas casas. Não me importo que recorras a modelos já conhecidos e que me tragas uma combinação daquilo que me parece ser a aposta certa.

Fisicamente, ficaria muito contente se arranjasses alguém que tivesse o porte atlético do John Kennedy e a allure aristocrática do Pierce Brosnan. Ou então, alguém que consiga personificar a força do Mel Gibson e aquele jeito a pedir carinho do George Clooney. Se nada disto estiver disponível, não me importo de receber um modelo um pouco mais usado, um cinquentão vulnerável como o Harrison Ford ou um clássico, no género imperscrutável, como o Jeremy Irons. Claro que teria de vestir smoking sem ficar com ar de empregado de mesa, ousar de vez em quando um look mais casual ou mesmo um chic negligé, claro que sempre com um ar óptimo. Para o dia-a-dia, o seu corpo teria de se movimentar com agilidade dentro de um guarda-roupa urbano e, claro, nunca em circunstância alguma acusar algum traço que o identificasse com a legião de funcionários anónimos que às cinco horas abandonam os seus cinzentos escritórios. Neste aspecto da questão, convinha que lhe fosse incorporado algum material genético do Paul Newman. Porquê? Francamente, querido Pai Natal, eu não quero desmerecer nos teus cabelos brancos, mas os dele têm um quê muito, mas mesmo muito, especial.
Em matéria de formato, estamos conversados. Agora, vamos ao conteúdo. Também aqui, tenho sido presa fácil da televisão e do cinema. Quero tudo o que ali nos prometem. Quero o olhar de desejo intenso e desvairadamente sofrido do Ralph Fiennes sobre mim (antes de ter ficado todo chamuscado no "Paciente Inglês") quando me movimento em minha casa, quero ser levada ao colo como a Michelle Pfeiffer pelo George Clooney num "Dia em Grande" sempre que me apetecer. Quero momentos de carinho e paixão. Quero os clichés todos do amor romântico. Pétalas de rosa na cama, velas a banheira, conversas longas à lareira. Eu sei que vais franzir o sobrolho mas não me importo que duvides do meu gosto: eu quero mesmo que alguém ponha música para mim no meio da savana. Se a Meryl Streep teve direito a isso porque não hás-de mandar a mim um Robert Redford que faça o mesmo? Até troco a savana pela selva do trânsito mas quero um homem que me surpreenda. Quero champanhe para comemorar coisa nenhuma, apenas o prazer de se estar junto. Também me dava jeito uns fins-de-semana não programados, feitos à medida do impulso, da vontade da fuga, para um lugar luxuoso, incomportavelmente caro e bonito. Local que ele pagará sem nunca mencionar o preço fazendo todas as tonteiras que me apetecer. Passear na praia mesmo que esteja a chover, correr até perder o fôlego num bosque de árvores vermelhas, levar-me aos sítios todos que me apetece, sem nunca me dizer, que é longe, que está farto de guiar ou que já não tem gasolina. E nunca, mas nunca, mas mesmo nunca, pode dizer que não quer dançar. O meu presente de Natal tem de saber todos os truques da pista de dança, movimentar-se com desenvoltura num ritmo techno e esmagar-me de orgulho quando me arrebata num tango. E tem de entender todas as infinitas nuances de um slow, com todos os códigos físicos do toque corpo a corpo. Mais: tem de ser capaz de dançar comigo no meio da rua se as circunstâncias se proporcionarem.

Convém também que, à semelhança dos heróis cinéfilos dos anos 70, esteja disposto a falar horas e horas sobre as variantes dos sentimentos que nos unem, que não se faça amnésico quando se refere a sua vida amorosa a.N. (anterior a Nós) e que seja capaz de gritar, soletrar, recitar, declamar, balbuciar, cantar, dizer sempre mas sempre o verbo amar e já agora outros associados que obviamente variam de caso para caso. E sobretudo, que mesmo à distância me fizesse sentir sua. Digamos que a perfeição, nesta matéria, seria sempre qualquer coisa entre o Al Pacino na primeira parte do "Padrinho III" e o Clark Gable em "E tudo o vento levou". Que como o Bogart em "Casablanca" seja capaz de apanhar uma bebedeira por minha causa e não porque ficou a falar com os amigos.
Importante, mas mesmo muito importante, querido Pai Natal, é tudo o que se refere à capacidade do homem que me vais mandar de viver longe da sua própria mãe. Querido Pai Natal, eu quero um homem arrumado como o Poirot mas, claro, sem aqueles traços obsessivos. Que acorde ao alvorecer como qualquer cowboy solitário do velho Oeste, ou seja, sem nenhuma mulher para lhe lembrar que o Sol já vai alto, para lhe dizer onde estão os sapatos, a camisa, o casaco ... Enfim, que consiga per si, sem gritar com ninguém, sem culpar nenhum dos seres vivos ou inanimados com que se cruze na Longa Marcha entre a cama e o duche de que ninguém o acordou e que, se o acordaram, acordaram-no mal. Em seguida, convinha um homem que mesmo que não soubesse cuidar das crianças aprendesse, género Dustin Hoffman no "Kramer contra Kramer", mas que ganhando estas novas competências não perdesse as anteriores, facilmente observáveis em qualquer série americana que retrate a vida dos subúrbios, competências essas que convém discriminar, pois, querido Pai Natal, se é verdade que os homens ainda não são o que nós queremos, também já não são o que eram. Assim sendo, quero um homem que, à boa velha maneira, tipo Clint Eastwood, não precise da minha ajuda para nada, ou seja, que trate sozinho dos impostos, dos carros, pague sozinho as contas e me diga "Vê lá, se não quiseres trabalhar, não trabalhes."

Depois, ainda faltam os estados de alma. Este ser perfeito que me vais mandar, querido Pai Natal, vai ter que ter o entendimento absoluto da minha vida interior. Já vem com um dispositivo que inibe a impaciência e a capacidade de falar alto. É um ser solidário sempre pronto a compreender as minhas lágrimas quando faço uma malha na meia ou o desalento que se sente ao olhar para a cozinha após um almoço familiar. Jamais mostrará desagrado por não ter as camisas todas passadas a ferro e achará mesquinho zangar-se porque bati de novo com o carro. As vicissitudes domésticas provocam-lhe o riso e nunca deixará que os problemas profissionais lhe alterem o humor e o comportamento. A sua prioridade serei sempre Eu. Nunca vai achar que sou ridícula por achar que não sou tão bonita como a Kim Basinger e está pronto a perder duas horas para enumerar as minhas qualidades sempre que me sinta insegura. Quando for caso disso, anulará qualquer compromisso para correr para casa porque me sinto deprimida.
Saberá ler nos meus olhos a dor, a mágoa e a tristeza. Terá uns ombros tão fortes, que só o facto de me abraçar afastará todas as adversidades. Terá como tarefa primordial abraçar-me todos os dias e beijar-me apaixonadamente em locais públicos a propósito de coisa nenhuma.
Como nos filmes."

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Navegante

Amigo
para ti construirei
não uma jangada
não uma caravela
mas um esquife
mera casca de noz
onde sozinho
possas aventurar-te
nos mares calmos.

Dar-te-ei agasalho
para que possas
navegar de noite
deitar-te ao relento
observar as estrelas
cadentes, mirabolantes
e sonhar.

E se o temporal surgir
o vôo do falcão te guiará
por entre escolhos
e ventos contrários
a bom porto.

Na praia,
pés nus na areia milenar
te reencontrarás.
15/06/2004

Manifesto: a um Amigo

Para o Thanabur

Que as ondas do mar te refresquem a alma
e levem embora as sombras que te inquietam
não te deixando ver o nascer do sol
que se avizinha, sereno e indiferente
aos problemas e sofrimentos
das pobres criaturas transitórias
que somos.

Tem fé em que o sol nascerá, imutável
ainda que toldado por negras nuvens.
Tarde ou cedo se dissiparão
deixando-te olhar de novo
a imensidão do azul do céu
reflectido na imensidão do mar
(esse mar que tanto te diz).

Vem, vamos ver as gaivotas
em perene volteio
que aguardam o fim da tormenta
para regressar ao seu natural elemento
... esse mar que tanto amas.

Não receies a tempestade
pois sabes (eu sei que sabes)
que de quando em vez
uma revolução é necessária
para que tudo volte a assentar
ainda que por vezes da mesma maneira.

O mar é eterna mudança.
Aceita as mudanças
como aceitas o mar.
Uma onda de cada vez.
17/09/2004

Filhos de Athena

Numa altura em que escrevia muito mais, participava activamente num Fórum - os Filhos de Athena, onde os livros eram discutidos entre os membros.
Tínhamos igualmente um espacinho para partilhar as nossas criações.

Extraí daí um pequeno poema de uma "colega" do qual gostei bastante - a ponto de ter gerado espontaneamente uma resposta minha.

"O sorriso continua na boca dos outros"

Quero comprar um sorriso
não haverá nenhum à venda?
Vejo tantas bocas sorridentes
quando caminho na rua.
Lábios bem rasgados
numa boca com dentes branquinhos.
Quando tento sorrir
cai-me uma lágrima no rosto
e a boca permanece friamente fechada.
O sorriso continua na boca dos outros.
Blueiela-22/11/04

E a resposta ...

Desculpa mas não tenho
sorrisos para vender.
Se estiveres interessada,
posso encomendar
um arco-íris, um colibri
um pedaço de algodão-doce
um salpico de maresia
um cheiro a terra molhada
um raio de sol ao amanhecer.
Pedirei a uma borboleta
que te leve a encomenda
e ta deixe sobre o nariz.
Ainda que não mostres os dentes
acredito que vás sorrir ...
17/11/2005

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Lembrança longínqua

Lembro-me de ter lido isto há muitos anos, pouco tempo depois do livro ter sido editado.
Reencontrei-o graças ao meu amigo ... o Google.
Estas frases dela originaram outras linhas - minhas.
Vou ver se um dia as procuro para as partilhar aqui.

"Alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha mão
esta paixão inesperada
se já estava escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida
ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a partir de agora eu trago marcada
na palma da minha mão."
(Bruna Lombardi)

Os sonhos também morrem

Será talvez pedir demasiado
que o sonho que albergo
no âmago do coração
se liberte, se concretize
...
Tenho medo, receio, sei lá
do incumprimento do sonho
de o ver perder-se nas brumas
de uma ilha longínqua de fantasia
onde os “Talvez...” brincam
às escondidas com os “E se...”

Sonho que persigo,
sonho que acalento,
sonho que me tortura,
sonho que desperta
em cada adormecer
solitariamente acompanhado.

Um sonho que se arrisca
a ficar perdido numa terra do nunca
local onde, entre brincadeiras,
abandonados por fim
por quem os sonhou
sentiu
imaginou ...
há sonhos que morrem sozinhos
na fria aurora da realidade.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Serendipity

Serendipity: o acto de fazer uma descoberta importante por acidente; encontrar algo quando se procura outra coisa - Horace Walpole

Esta definição remete-me para outra frase:
"Life is what happens while your making other plans" - John Lennon

Que parte das nossas vidas está ou não predestinada? Existem na realidade sinais aos quais deveríamos estar atentos, sob pena de perder grandes oportunidades nas nossas vidas? E, se sim, quem os envia? Ou o quê?
Tantas questões levantadas por um filme inesperado ... sim, inesperado porque de vez em quando a RTP brinda-nos com pérolas destas a horas incertas. Inesperado porque, apesar de se inserir na "classificação" de comédia romântica teve o condão de me fazer pensar na "Big Picture" - se existe ou não e qual o meu papel nela.

O que fazer quando reconhecemos os sinais mas nos encontramos presos a situações confortáveis das quais nos custa livrar - ou cujo desmembramento sabemos que irá prejudicar terceiros? Quantos de nós terão a coragem de questionar a validade das escolhas já feitas e deitar tudo para trás das costas para embarcar numa aventura que acreditam encerre o seu futuro? E quantos ficarão a lamentar-se para o resto das suas vidas com a frase "ah, se eu tivesse optado de forma diferente ..."?
Tenho medo desses sinais, se existem. Tenho medo de os não saber ler - ou, sabendo interpretá-los, de os deixar fugir como areia por entre os dedos.

Existirão segundas (ou terceiras) oportunidades para se ser feliz ?

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Músicas no dia-a-dia

Há músicas que em determinados momentos das nossas vidas têm uma especial ressonância. “Batem” com força nesses instantes como se quem as compôs tivesse passado (e talvez tenha) pelo mesmo que estamos a passar nessa altura.

“Driving with the brakes on” dos Del Amitri ... o assunto de fundo não é o mesmo, nem poderia sê-lo. Mas é assim que me tenho sentido ultimamente. Como se conduzisse um carro permanentemente travado ... como se tentasse nadar com botas pesadas nos pés.
Sinto-me afundar num oceano de marasmo, do deixa-andar rotineiro, das coisas nunca resolvidas que se camuflam com um remendo como se tapa uma borbulha incipiente com maquilhagem. E as botas pesadas não me deixam vir à tona. A água gélida rodeia-me e o frio entranha-se no meu corpo, cerrando-se à volta do meu coração. Do meu Eu.

Outra música que tem sido minha companheira permanente nos últimos serões é “Letting the Cables Sleep” dos Bush. Noites frias em que me sinto deslocada, como se não estivesse no lugar certo ... haverá algum lugar certo para mim?

“Whatever you say it’s all right
Whatever you do it’s all good
Whatever you say it’s all right
Silence is not the way
We need to talk about it “

Sinto a premência do querer que algo aconteça … qualquer coisa que destrave finalmente o carro e me faça seguir em frente. O que quer que seja, que quebre o muro de silêncio que impede a resolução das situações. Mas o silêncio estende-se como um manto de nevoeiro, mascarando tudo o que há de errado. Como se pelo facto de não se falar sobre algum assunto fizesse com que ele desaparecesse.
Nada mais falso, não é?
Então tentem nadar contra a maré com botas calçadas ...

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Possession

"I cannot let you burn me up, nor can I resist you
No mere human can stand in a fire and not be consumed" - A.S. Byatt

Com estas palavras recupero o impacto que o filme Possession teve em mim.
Uma história de encontros e desencontros, romances improváveis - e exactamente por isso cativantes - entre a Inglaterra vitoriana e o século XXI.
Dei por mim mesmerizada a olhar para o écran, desejando estar ali, naquela costa batida pelas ondas do Oceano, procurar as cartas perdidas de Randolph Ash e Christabel LaMotte.
Imagens que se sucediam, envolventes ... o computador esquecido atrás de mim, enquanto rodeava o corpo com os meus próprios braços, tentando ignorar a fria humidade de uma noite de Novembro.
Há muito tempo que um filme não me arrastava assim na sua magia.
A ver ...
http://www.possession-movie.com/main.html

sexta-feira, 16 de junho de 2006

Alertas

Aprendi a ler e-mails com a necessária pitada de sal. Uma boa parte do que nos reenviam são hoax, já se sabe.
Mas um alerta no Blog do Nuno Markl (http://www.havidaemmarkl.com/) deixou-me a pulga atrás da orelha ... sabemos como os lobbies americanos são interventivos, e como infelizmente os europeus tendem a seguir-lhes as pisadas.
Fui cuscar o site que era mencionado ... http://savetheinternet.com
Ameaça real? Não sei, mas ... é melhor estar de pé atrás e ficar de olho nas notícias sobre isto.