Chegaste ainda pequenito e amei-te desde o primeiro dia.
Uma bolinha peluda a preto e branco, com malhas que te faziam parecer uma vaquinha miniatura - e foste algumas vezes confundido com a vaquinha de peluche que morava na varanda do quarto do mais novo, a ponto de eu perguntar quem é que te tinha lá deixado trancado por engano...
Aqueceste-me o colo, os pés e o coração. Um ser totalmente indefeso e dependente do cuidado e carinho de humanos que nem sempre te souberam devolver o amor que nos oferecias como só um animal ou uma criança sabem: incondicional.
Eras o meu bebecas, o terceiro filho que nunca cresceria, que nunca sairia de casa para a faculdade, para morar noutro lado, o que ficaria a fazer-me companhia até ser velhinho.
Longe estava eu de saber que algures no teu corpito uma bombinha-relógio aguardava a hora de me gorar os planos. E hoje ela foi activada...
O teu miado aflito, que nem miado parecia, quase um ganido, alertou-me para algo de errado. Inconsciente do que se passava, pensei "tolinho, meteu-se debaixo da cama e agora não consegue sair!" e quando me dirigi ao quarto dei contigo deitado no chão, como tantas vezes fazias quando pedias mimo... mas agora não te mexias, só miavas daquela forma estranha e angustiante que me apertou o coração até ficar do tamanho do teu.
Peguei-te ao colo e tive então noção de que sofrias; pousei-te sobre a cama o mais delicadamente que consegui, deitei-me junto de ti, afaguei-te, vi a dor nos teus olhos e soube que em breve te perderia...
Perdi a noção de quanto tempo ali estive, chorando ambas as dores, a tua e a minha - teria sido mais avisado ir a correr procurar o número de um veterinário, mas não queria deixar-te sozinho, sabia lá eu há quanto tempo estarias já tu naquele sufoco e eu sem te poder sequer acalmar! Chegou então o D e quando lhe disse que estavas doente, juntou as suas lágrimas às minhas, mas as dele também de irritação pela injustiça cósmica que nos caíra em cima.
Passado o primeiro impacto, teve mais calma do que eu: conseguiu pensar a frio e dirigir-se ao computador para procurar o número de algum sítio onde te pudessem ajudar. (*)
Atenderam o telefone de imediato, recomendaram que te embrulhássemos e te levássemos rapidamente para lá. Embrulhei-te ao colo como um bebé, como tantas vezes fizera durante estes anos juntos, só que desta vez miavas de dor, um miado cada vez mais fraco e triste... o carro quase voou até à clínica, entrámos de sopetão e a veterinária examinou-te logo, fazendo as perguntas da praxe. Nos olhos dela vi o mesmo medo que eu carregava, quando te levou para a sala de observação e nos pediu para sair e aguardar.
Sabes? Tinha deixado de fumar no Ano Novo, uma resolução que tinha tomado a bem da saúde de todos - livrar a casa do fumo e pronto - mas tremia dos pés à cabeça e voltei a puxar de um cigarro para me acalmar. Depois desse houve outros enquanto não parei de tremer...
A médica voltou dizendo que o prognóstico era muito reservado, que os raios-X e os exames não mostravam nada, mas que suspeitava de algo do género de uma trombose e que terias que ficar na câmara de oxigénio porque nem estavas a conseguir respirar bem. Não valia a pena ficar à espera, seria melhor ir-me embora e ligar mais tarde para saber como estavas.
Saí, o coração pesado como chumbo.
À hora combinada telefonei, a médica estava ocupada e ligaria mais tarde. Mas quando ligou foi para dizer que tinhas acabado de partir... e chorei sem vergonha, chorei a tua dor, chorei a nossa perda, chorei a minha estupidez de ficar imóvel ao pé de ti em vez de te ter levado para lá de imediato, porque talvez te pudesse ter salvo...
Esta noite perdi um dos únicos seres que alguma vez me amou de forma totalmente desinteressada, incondicional e pura.
Teria ficado contigo toda a noite se soubesse como te salvar, meu pequenino.
Adeus Lucas, meu bebecas, meu fofo, minha vaquinha peluda.
Até qualquer dia.
Até sempre.