Papel em branco, lápis, caneta, pendrive, apontamentos, caneca de chá enorme, toros, pinhas, acendalhas.
Tudo pronto na sala.
Enrosco-me na poltrona com o bloco ao colo, pronta para iniciar o projecto.
Na poltrona ao lado, o estojo de plástico com um estampado a imitar granito e um pacote de acendalhas.
Sobre a mesinha de apoio, os lápis e o portátil ligado para ouvir música e conversar com a A.
Aparece o R no chat, a querer fazer-me inveja com o concerto que vai ver amanhã. Faz beicinho quando lhe digo que tenho a lareira acesa; o R não tem lareira.
O A publica um desenho no FB. Faço beicinho porque gostaria de desenhar tão bem como ele. Raisparta o talento do gajo.
Banda sonora da noite: Indochine, Moby (aos montes), Placebo.
Uma hora e tal depois, o primeiro draft está alinhavado. Já sabia que não iria dormir enquanto não passasse a ideia para o papel. Há coisas que resultam melhor pelos métodos tradicionais...
Continuo a conversar com a A enquanto apago umas coisas, altero outras, acrescento mais um ponto aqui ou ali. Três toros já foram. Pinhas nem sei.
Mais uma hora e dou o draft como pronto.
Olho para os papéis com um sorriso. Nada mau para um rascunho.
Ponho os papéis para o lado e coloco o último toro da noite. Vou à cozinha aquecer a terceira caneca de chá e volto à sala para espevitar o fogo. As chamas fascinam-me, como sempre. Seria capaz de ficar a olhar para elas durante horas, se a lenha durasse tanto. O melhor é amanhã trazer duas sacas do supermercado. Quando vou buscar o chá, ainda trago as chamas na mente e qualquer coisa faz clique. Quando regresso à sala volto a pegar nos papéis e acrescento o que acabei de imaginar.
Altero partes da ideia inicial e o resultado fica melhor do que eu tinha inicialmente pensado. O que fazem algumas linhas a mais...
Desta vez, o sorriso ao olhar para os papéis é de orgulho, mesmo que ainda não dê o projecto por terminado. Mas a estrutura está lá, esqueleto já coberto de carne embora a precisar de pequenas alterações estéticas. Está criado.
Criar dá-me prazer, como se tivesse a alma em fogo. Verto-me nas linhas que traço.
Quando a lenha acabar de arder vou dormir, com a satisfação de ter conseguido o que queria.
Amanhã será tempo de voltar a pegar no rascunho, passar a limpo, experimentar trocar posições de um elemento ou outro, limar arestas, burilar aqui e ali até o resultado ser exactamente o que quero. É a gestação do projecto: nutri-lo, acarinhá-lo, aperfeiçoá-lo como uma criança que cresce no ventre.
Até chegar a altura de o dar à luz, sem as dores físicas do parir mas com a pequena dor da saudade na alma ao ver o projecto terminar.
Porque um projecto assim é, acima de tudo, uma filho da imaginação, da alma que se empenha e se entrega e se dá em cada linha. No produto final revemo-nos, revemos o que demos, revemos a entrega e a dedicação em cada ponto, como uma criança fruto de um amor profundo.
Criar é sempre um acto de Amor.
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